quinta-feira, 17 de maio de 2012

José Jorge Letria

O LIVRO E O DESTINO DAS CASAS A história abriu o livro de todos os assombros e desceu à rua para perguntar de que cor é a luz que ilumina as praças, que incendeia as vozes. Nunca esse livro se abrira assim, tão ousado e grave, muito antes de se conhecer a palavra fim. Este livro sobreviveu às labaredas de Alexandria, aos holocaustos da palavra e do corpo, ao terror dos meninos nas caves sem pão, nos escombros do inferno da noite, à fúria dos algozes e dos inquisidores, às chamas vorazes de todos os autos-de-fé. Por isso é um livro único como únicas são as grandes palavras comovidas que não sabemos usar quando queremos falar do sono dos filhos, dos netos, de todos aqueles que amamos por serem o conforto da alma agora e na hora dos nossos medos. O livro está aberto à nossa frente mas apressa-se a avisar que não tem resposta para nenhuma das perguntas que, em sobressalto, nos queimam a boca. É um livro autêntico e límpido como as águas dos rios que correm em nós. É um livro valente e sábio. É um livro feito à medida dos mapas onde a história se escreve, mas nada sabe sobre o que está para vir. É somente um livro aberto, com pétalas, conchas e lágrimas de chuva, com o ladrar nocturno dos cães enrodilhados de frio na soleira das portas. E é então que a mão vira a página e pousa numa frase intrigante, num verso de métrica esquiva, pedindo à história, sem timbre de súplica: “Deixa-me falar por ti na hora em que a serenidade voltar às nossas casas” José Jorge Letria

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